Vamos pensar no que emitimos e recebemos.
Quantas vezes acordamos mal dispostos e ao longo do dia tudo ocorre com a mesma “boa disposição” com que saímos da cama?
O que fazemos nós relativamente a esta situação? Achamos que a culpa é dos outros e do mundo.
Levantei-me zangado e a pensar que não me apetecia nada sair da cama para ir aturar gente chata, pessoas que estão sempre zangadas com o mundo e a refilar com tudo o que lhe aparece na frente. Até o bom dia do vizinho me irrita. Não sei porque está bem disposto, de certeza que não terá uma quantidade de coisas chatas e sem interesse para fazer, que eu tenho.
Depois, vem o trânsito para o trabalho, com aquelas filas de gente mal disposta com a vida só reclamam porque alguém não fez pisca, ou porque me ultrapassou e não deveria porque eu cheguei primeiro. Finalmente chego ao trabalho enfadonho, ainda cheio de sono porque me deitei tarde ontem a ver uma série ou estive a nas redes sociais e falar de coisas sem interesse com alguém, a ver mil vezes as mesmas coisas e ainda a ter que aturar os miúdos que pareciam elétricos e sem sono.
Durante o dia, sorrio para o chefe, converso de trivialidades com colegas, termino um monte de tarefas chatas e ainda vou cheio de boas intenções para casa, a pensar que vou conseguir terminar trabalho que não consegui fazer durante o dia.
Tinha-me esquecido que ainda teria que passar no supermercado e permanecer em mais uma fila interminável para levar qualquer coisa já cozinhada para o jantar. Banho das crianças e alguns trabalhos de escola para verificar, mandar arrumar tralhas, pedir-lhes que jantem rapidamente para irem dormir, pois no dia seguinte teremos tudo isto para fazer novamente.
Passou uma semana e penso que não fiz nada de jeito. Não produzi o suficiente ou de forma eficaz, não tive tempo de qualidade com as crianças, não fiz coisas para mim que gostaria de ter feito e de repente, passou um mês, dois, seis e continuo cansado e mal disposto com a vida.
Em nenhum momento parei para pensar. Quantas vezes desejei que isso tivesse acontecido, ter aquele momento para refletir, para estar, para ler aquele livro tranquilamente , para estar com família, com amigos, para não fazer nada ou para simplesmente estar.
Passados anos de rotinas loucas, em que diária e inconscientemente pedimos ao universo que nos dê esse tempo, surge um vírus que nos diz: FICA EM CASA!
Ainda meio adormecido, a não querer acreditar que é possível e que deverá ser apenas uma piada de mau gosto, inventada por alguém que não tem nada de interessante para fazer, o vírus grita: FICA EM CASA. NÃO PODES SAIR, PARA NÃO INFECTARES E SERES INFECTADO.
Dia- a -dia a ouvir isto a ver um cenário em que a humanidade se infetava rapidamente, contagiava e era contagiada, sem sequer ter tempo para pensar, deparo-me com mais uma rotina louca que me diz o inverso do que me queixava, que me diz que vou ter que abdicar da minha liberdade de fazer o que quero, sair quando me apetece, obrigar a ficar em casa o dia e a noite inteiros.
Que loucura, isto não poderia ser verdade. Não poderia estar impedido de fazer o meu dia -a -dia de rotina, da qual me queixava, diariamente, que não queria fazer.
De repente fico sozinho a olhar para as paredes da minha casa, que não tinha ainda reparado bem que eram brancas, vejo um tapete na sala e não lembrava que era azul e que tinha uma cama, um sofá, um teto e família e amigos que não posso ver agora e roupa a mais que não uso, pois qualquer pijama ou fato treino serve.
Apercebo-me que os meus filhos têm mais fome, fazem todas as refeições e de repente até eu como mais e mais, fazendo disparar a minha fome emocional e deixando de ter controlo sobre o que está a acontecer. De repente não me conheço, não conheço ninguém a minha volta, perto ou longe de mim e reparo que eles também não se conheciam a eles próprios. De repente, quando ponho o pé no chão da rua, porque precisei mesmo, reparo que estou a pisar aquele chão e sinto como sabe bem respirar o ar da rua. De repente consigo sentir isso e pensar como era possível nunca ter reparado , nunca ter percebido que tenho uma árvore em frente à minha janela e todos os dias o mesmo pássaro poisa no mesmo ramo. Como não tinha observado isto?
Dou então comigo a rezar. Já nem me lembrava como se fazia, a pedir a Deus ou outra entidade que me ajude, a gritar desesperadamente para o universo que ajude o vírus a ir embora e me permita, nos permita a todos voltar a ter liberdade, prometendo a nós mesmos que vamos estar mais atentos a todos os detalhes. A prometer que não vou mais acordar mal disposto, a prometer dizer bom dia ao vizinho, a telefonar à família, a sair com os amigos e a ajudar quem precise.
De repente grito para o universo que o mundo terá que ser melhor e pergunto o que poderei fazer para isso acontecer? Qual poderá ser o meu contributo?
Depois de rezar, de fazer todos os pedidos e promessas para fora de mim, fico à espera da resposta. Espero e continuo à espera, em casa, sozinho ou em família, a olhar para as paredes brancas ou para o tapete azul.
Depois de todos irem dormir, continuo à espera da resposta, à espera que me seja dito como fazer. Durante esse tempo, percebo que estou a ouvir algo, algo muito silencioso, mesmo muito silencioso. Percebo que tenho que calar-me para ouvir, pois quando falamos e gritamos, não conseguimos ouvir. Percebo que estou a ouvir-me. Em silêncio consigo ouvir todas as solicitações que fiz, tudo o que projetei. Tudo isto chega até mim, em eco, em vibração, situação após situação, acontecimento após acontecimento chega até mim em silêncio.
Agora consigo ouvir. Agora consigo sentir. Agora consigo entender o que o universo me diz.
Enquanto eu vivia a minha azáfama, os meus medos, a minha loucura, o universo estava a lá, a ouvir e reenviar-me o que eu lhe projetava. O Universo dizia-me não querer lixo. O Universo dizia-me não querer maldade. O universo dizia-me não querer ritmos alucinantes e futilidades. O universo dizia-me apenas para parar, sentir e meditar, pois só assim iria conseguir usufruir do melhor que a vida me poderia dar.
Assim fiz, senti e meditei.
Deveremos, assim, continuar a falar com o universo para que as nossas palavras se espalhem, ecoem e voltem a nós com um efeito vibratório que nos permita refletir e sentir o significado do que vivenciamos hoje.
Emitimos, recebemos. Tudo na vida funciona desta forma.
Boa meditação!